terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Coronel Milton aponta as falhas no Caso 174, oito anos depois




Coronel Milton aponta as falhas no Caso 174, oito anos depois

OS SEQUESTROS COM TOMADA DE REFÉNS E AS 10 FALHAS

DO EPÍSÓDIO DO ÔNIBUS 174 NO RIO (oito anos depois)

ANÁLISE TÉCNICA- ESTUDO DE CASO)

Milton Corrêa da Costa


O desfecho trágico do episódio de seqüestro ocorrido em Santo André (SP), onde resultaram gravemente feridas as duas reféns, ambas menores de 15 anos de idade, Eloá Cristina Pimentel ( tiro na cabeça e virilha) e Nayra Vieira (tiro no rosto), mostra mais uma vez a complexidade e a dificuldade da ação policial em tais episódios.
Os especialistas no tema apontam para algumas falhas da polícia em relação ao gerenciamento da crise que perdurou por mais de cem horas. A meu ver dois erros de natureza técnica foram cruciais. O mais grave foi se ter permitido que a refém Nayra Vieira, amiga da ex-namorada do seqüestrador Lindemberg Fernandes Alves, após ter já ter passado inúmeras horas como refém, ter retornado ao apartamento, local do cárcere privado. O que é pior tratava-se de uma menor de idade. Tal fato, inegavelmente, deu ao seqüestrador a falsa impressão de que detinha o domínio da situação. O outro erro, também grave, foi permitir que Lindemberg tivesse acesso irrestrito a aparelho telefônico o que lhe permitiu contactar com quem bem entendesse. Um ensinamento básico é que, em casos semelhantes, há alguns itens que são inegociáveis.
Um outro ponto importante em tais casos, é que em outros países, mais evoluídos em termos de técnica policial, diferentemente como se tem visto no Brasil, somente a polícia, sendo órgão eminentemente técnico, atua na negociação junto ao seqüestrador ou seqüestrado res, através de policial altamente capacitado para tal fim. Aqui se tem visto, no desenrolar de tais episódios, a intervenção de políticos, religiosos, advogados, parentes, amigos, psicólogos e até jornalistas. Muitas vezes atrapalham mais do que ajudam no fim maior desejado que é a libertação segura dos reféns e a prisão do delinqüente. O outro ensinamento básico é que o isolamento e cerco da área é um dos itens mais importantes. Sempre que possível desautorizar que câmeras de televisão transmitam ao vivo a transmissão do local do cativeiro. Isso dá, em razão da repercussão, sensação de notoriedade e de poder ao seqüestrador.
A investigação mais apurada do episódio certamente irá dizer o que de fato ocorreu naquelas 100 horas de angústia naquel apartamento. Se a polícia invadiu o local antes ou depois de terem sido ouvidos disparos de arma de fogo, não se sabe até agora. Se os ferimentos pro duzidos nas vítimas partiram ou não da arma do seqüestrador, o mais provável que tenha ocorrido,só o inquérito policial poderá dizer, através dos exames de balística. O mais importante é sobre os ensinamentos a serem colhidos em caso semelhantes. A ação policial não é um equação com solução definida em tais episódios. Cada caso é um caso e no episódio de Santo André há que se admitir que o seqüestrador se apresentou, durante todo o período de tentativa de negociação,com comportamento extremamente inconstante.
Há mais de oito anos no Rio um caso semelhante, com fim não menos trágico, acabou inclusive virando documentário de grande repercussão e agora um filme de Bruno Barreto, que ainda não estreou nos cinemas. O seqüestro do ônibus 174 (foto ao lado), na Rua Jardim Botânico. Algumas falhas de natureza técnica que apontei na ocasião e ainda não reveladas até hoje e que podem servir sempre de base para o estudo de casos semelhantes, aproveitando o episódio de Santo André, achei por bem agora divulgá-las. Registre-se o fato de que aqui não vai nenhuma crítica aos policiais que ali atuaram, naquele fatídico 12 de junho de 2000, na defesa da ordem pública, com o risco da própria vida. Não. O que se almeja é o ensinamento e a discussão do episódio para que falhas talvez não venham mais a ocorrer.

Vamos então as 10 falhas que observei no Caso 174:
1) A primeira grande falha no episódio foi não ter sido estabelecido, com precisão, o perímetro de contenção, com isolamento e cerco da área a ser operada. 

2) Os atiradores de elite não se encontravam em posição favorável ao tiro em que pese alguns cinegrafistas de televisão terem conseguido uma razoável posição.
3) Não foi observada, face a dimensão da ocorrência policial, a presença de uma alta autoridade da área de segurança que assumiria o comando local das operações.
4) O seqüestrador ofereceu a possibilidade de ser alvejado por mais de uma vez.

5) A submetralhadora( 9mm), utilizada pelo então Soldado PM para atingir o meliante (reservo-me o direito de não declarar o seu nome), ainda que possa ser ajustada para tiro intermitente e empregada por 90% das forças policiais de elite no mundo na ocasião, especialmente em casos de resgate de reféns, não era o armamento mis apropriado para o tiro a curta distância, onde se necessitava do impacto na cabeça aniquilando a as possibilidades de reação do seqüestrador.
6) O negociador era o próprio comandante da operação, o que não é recomendável, uma vez que uma das funções primordiais do negociador é justamente estabelecer o elo de ligação entre o comando da operação e o seqüestrador, analisando e filtrando os itens possivelmente negociáveis.
7) Foi observada a falha do Soldado em questão, já que deliberadamente resolveu intervir, ao não atingir, em disparo a curta distância, a cabeça do delinqüente, em que pese ser na ocasião um integrante de uma tropa de elite, o que evidencia, até certo ponto, momentâneo descontrole emocional em razão da demora do desfecho final.
8) Foi detectada a falta de equipamento básico de segurança (algemas) para imobilizar o seqüestrador, após ter sido este dominado e colocado no interior da viatura policial.
9) Não foi observado terem sido interrogados os reféns que iam sendo liberados, objetivando-se assim a obtenção de maiores dados sobre o que ocorria no interior do ônibus.
10) Após o fatídico desfecho do caso, com a morte da refém por tiro disparado pelo seqüestrador, permitiu-se a invasão imediata do local por parte de integrantes da imprensa e de curiosos, prejudicando assim o trabalho da polícia científica (perícia), face a necessária preservação do local do crime.

Sobre o final do episódio do ônibus 174, que culminou com o transporte e a morte do meliante, o caso foi julgado pela justiça, não cabendo análise. No entanto, o ensinamento básico que fica em casos como estes pode ser resumido no seguinte postulado: "ENQUANTO SE NEGOCIA GANHA-SE TEMPO, DESGASTA-SE FÍSICA E PSICOLOGICAMENTE O SEQÜESTRADOR, PRESERVA-SE A VIDA DOS REFÉNS, AGUARDA-SE O MOMENTO ADEQUADO ( SE FOR O CASO) PARA A AÇÃO DE INVASÃO DO LOCAL OU PARA O TIRO FATAL E, PRINCIPALMENTE, PARA O DESFECHO MAIS DESEJÁVEL COM A LIBERTAÇÃO DOS REFÉNS E A PRISÃO DO MELIANTE."

Milton Corrêa da Costa Tenente Coronel da PM do Rio e estudioso em assuntos de segurança pública."

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